Vaca niilista – Crônica

Vaca niilista

Meu pano, minha água e meu detergente são os maiores genocidas que eu conheço. É engraçado, se eu pisoteasse um gato até que ele morresse, eu seria preso por maus-tratos aos animais.
Mas, quando eu como o bife oriundo das vacas, todos batem palma. Afinal, quem não gosta de um churrasco?
Quanto mais raras, mais caras são as vacas. Uma vaca falante, que desenvolve uma filosofia niilista própria, seria a vaca mais valiosa do mundo. O frigorífico faria uma festa por ter esse espécime.
Eles lucrariam muito. Até vejo um grande leilão, numa ilha tropical. Helicópteros de todo o planeta indo até lá. Um lance atrás do outro, uma gritaria. Enquanto isso, os pobres estudantes de filosofia infiltrados estariam anotando vorazmente a sabedoria do bovino, com água na boca pelo conhecimento.
Logo chegaria o valor vencedor: um bilionário hedonista comeria a vaca niilista.
Aposto que esse bilionário nunca foi niilista. Aquela ilha era uma velha conhecida dele e seus amigos. Tendo tanta vida em potência no banco, ele pode transformar em ato qualquer vontade que tiver.
Mas ele não fez mais isso.
Alguns dias depois de degustar a tão comentada vaca niilista, ele compra um conversível vermelho e bate em alta velocidade.
Não foi um acidente de trânsito, como todos pensam. Sei que foi proposital.
Da água que ele urinou e foi para o esgoto. Do esgoto, para o lençol freático. Do lençol freático, para a mamãe vaca. Da mamãe vaca, para o leite mamário. Do leite mamário, para a vaca niilista. Da vaca niilista, para o bilionário. Do prato do bilionário, para o poste pintado em vermelho.
Agora seus miolos estão espalhados pela rua. Alguns transeuntes tiram fotos, outros até recolhem os restos de maneira escondida. Seus órgãos têm proteínas da almejada vaca niilista. Visão estupenda.
Uma profecia autorrealizada. A vaca niilista o contaminou, ou foi ele quem contaminou a vaca?

Ninguém ficaria comovido com a morte da vaca niilista. Claro, os amantes dos animais ficariam. Uma vaca falante seria algo para ser estudado, e não comido.
Os amantes dos animais protestariam com raiva contra o bilionário. Queimando bancos, quebrando vidraças, e nesse processo, esmagando formigas.
Curioso, não vejo os amantes dos animais defendendo formigas. Nem falando do meu detergente. Com ele, eu limpo minha mesa. Com meu pano, eu esmago milhares de microrganismos.
Eu massacro as formigas. Eu me torno o senhor dos mundos, aquele que decide quem vive e quem morre. Potência infinita.

De qualquer forma, com meu pano, minha água e meu detergente, os miolos começam a desgrudar do asfalto.

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