
arbitrariedade da minha defesa
Isso é um significante?
ou um significado?
De qualquer forma,
não me interessa.
Signos não existem,
ideias são convenções.
...
Mas,
pra você:
sigo significando
algo?

arbitrariedade da minha defesa
Isso é um significante?
ou um significado?
De qualquer forma,
não me interessa.
Signos não existem,
ideias são convenções.
...
Mas,
pra você:
sigo significando
algo?

caco macaco caco
caco macaco caco
macaco caco macaco
maca macaco maca
acaco maca macaco
Primata romano proletário
macaco macaco macaco
chimpanzé gorila orangotango
nós nós nós
saber saber saber
cristão semita xiita
Fogueira neles
macaco caco macaco
caco maca acaco
sagui mico mico leão
Crianças perfuradas
sangue sangue sangue
grite grite grite
Joga bosta nele
macaco macaco macaco
bugio bonobo babuíno
platão hobbes nietzsche
caco macaco caco
darwin watson crick
bomba bomba bomba
macaco caco macaco
caco macaco caco
pula pula pula
queima queima queima
oceano subiu subiu
cidade sumiu sumiu
macaco sumiu sumiu
sumiu

amizade
gostaria que todos meus amigos morressem
de uma forma trágica
todos em um único momento
assim nunca mais eu precisaria
encarar ninguém
e teria motivo suficiente
para pisar sem ser tocado
com os sobreviventes limpando minhas sujeiras
e bebendo dos meus rastros
dessa forma pode ser
que eu não precise enfrentar
a remota possibilidade
de perceber que talvez
eu não seja um bom amigo

Comida de pinguim
Uma sensação, é assim que a brisa do mar se parece. Não uma visão da areia, nem o gosto do sal. Quando estou doente, os sonhos ficam turvos. Estranhos, opacos, com sons que não existem, visões falsas, tudo é oblíquo.
Não sonhei essa noite. Ou melhor, eu sonhei, mas não foi uma coisa lúdica como os sonhos que normalmente tenho.
Começou com um abraço esquentado pelo dia, acariciando o mar que o barco perturbava. Mas a tormenta soprou nossa vela. Um fôlego tão grande, cruzamos em segundos a estrada marítma. Num piscar de olhos, não estávamos mais debaixo do Sol de verão. Estava frio, mamãe estava tremendo, blocos de gelo nos rodeavam.
Eu não vejo nada, não sinto nada, mas ao mesmo tempo eu sinto tudo, ouço o mar, o fluxo indo e voltando calmamente. Ouço o rúgido da tempestade, que começa o meu despertar. Assisto os restos da lancha indo embora. Papai estava agarrado no último pedaço de madeira. Comida de pinguins, é isso que ele será.
Só o que vejo, uma fanfarra de pinguins, tão bonitinhos. Pinguins destroçando meu papai, pulando em cima do hipotérmico cádaver de mamãe.
Agora só restavam os pinguins, das mais variadas alturas e espessuras. Toda a família de pinguins. O líder usava seu bico para arrancar suas vísceras, e todo o bando comemorando. Não pensei que os pinguins pudessem ser pagãos, eles devem ter nos confundido. Ver papai digerido sendo destroçado por essas criaturas tão bonitinhas. Não consigo encarar.
Os pinguins se deliciaram no banquete. Deve ter sido gostoso, enquanto eu assistia a tudo, sendo segurado por outras dessas aves glaciais. Não vomitei, eu não estava vendo direito, os pinguins pareciam uma coisa só. Eles se amalgamavam, se tornando uma única massa com todo o sangue. Pinguins vermelhos, é só o que eu ouvia, a buzina deles, não me deixam ouvir minha voz.
Melhor voltar a dormir, já perdi o ímpeto de encarar as águas novamente. Me deitar na areia até o sol nascer. Esperando que o oceano me leve, me congele em meio aos icebergs.
Quem sabe, eu possa encontrar um pinguim.

Streptococcus pneumoniae
Começou a consolidação.
Um demônio nos tornou maciços,
exsudato por toda parte.
Dióxido de carbono,
cuspido pelo diafragma neurótico.
Os murmúrios cedem aos ruídos,
nosso sangue se torna alcalino.
Amoxicilina padroeira perfunde
mas os gram-positivos, selecionados
crucificam nosso pulmão.
Meus pés gelados.
Minha pele fervente.
As mitocôndrias vomitam
seu ácido.
Os acessórios não
aguentam mais.
Carbono escurece
meu cérebro.
Os cocos.
Em cadeia,
indiferentes.
Insuficiência.
Contemplo os céus
com minhas
asas nasais,
amarradas
nessa maca.

a árvore e a floresta
eu, você, ele
nós, vocês, eles
me perdi em nós
"nós" não é "eu"
nós não somos eu
"eus"
onde está?

Origami franguinolento
O mundo poderia se resumir a poucos tipos de alimento. Seria bem mais fácil para meu estômago. Criação de frangos em escala industrial nunca antes vista.
A linha fordista em que a galinha põem ovos. Eles são aquecidos na temperatura exata para nascerem fortes. Eles quebram o ovo, escapam de sua prisão de colágeno.
Não sei exatamente qual o método de execução usado neles no passado. Mas sei como seria o paraíso tecnológico da linha de produção dos frangos.
Eles são levados pela esteira. Em nenhum momento pisam no solo. A esteira teria milhares de anos-luz de comprimento. Ao chegar na idade avançada, são imediatamente degolados pelo Torcicolo 5000 Turbo.
Desmembrados em pedaços milimetricamente simétricos, para então serem reorganizados e montados. Montados rapidamente por neurocirurgiões. Um origami franguinolento. Então, são levados para os caminhões. Ou melhor, os trens, caminhões não bastam.
Com o dinheiro poupado, atingiríamos um nível civilizacional capaz de proporcionar trem para todos. Teríamos trens-bala em todo lugar, para cruzar o mundo na velocidade de um revólver.
Sem se preocupar com a variedade de carnes, comendo os frangos feitos de pura proteína, logo evoluíriamos para Homo frangus. Frangos bombados, cheios de estrogênio. Hormonizados. Linha de produção de hormonizados.
Com a eficiência cerebral que o ser humano atingiria, isso com certeza seria alcançado. Trens interestelares e hormônios baratíssimos nas prateleiras dos mercados.
Trens carregando bilhões de toneladas de frango. Dos trens, pros mercados. Seriam descarregados por robôs. Ou melhor, para aguentar todo o peso, o aço dos robôs não bastariam. Precisaríamos de marombados hormonizados. Um desfile de músculos enchendo as prateleiras.
Então, nas prateleiras, estou eu.
Pego a embalagem plastificada com meu braço não hormonizado. Não preciso me preocupar em cortar ou temperar. O quebra-cabeça aviário está montado.
Eu olharia o franguinho embalado. Molhado, molenga, remexendo na minha mão. Queria ficar de água na boca por ele. Não gosto de carnes diferentes. Mas também não gosto das que eu já como.
Talvez toda essa linha de produção seja meio desnecessária. Ovo preparados geneticamente. Galinhas engaioladas em todo lugar. A esteira dando voltas pelo Cinturão de Órion para abrigar todos os milhões de franguinhos em crescimento.
O suco do frango que sobrou no pacote, alguém poderia beber isso. Se os franguinhos soubessem que foram condenados para estar na minha barriga... Ou melhor, a maior parte deles vão pro meu lixo.
Coloco comida no prato para fingir que dessa vez vou comer.

o tubérculo
O homem positivo uma vez disse:
ao vencedor, as batatas
ao vencido, ódio ou compaixão.
Mas eu,
o tubérculo do byronismo, digo:
ao vencido, rifampicina
ao vencedor,
mycobacterium com expectoração!

Ironia biológica
Gosto de estar doente. Meu corpo se torna mole, suave, uma gelatina de colágeno. Poderiam dar uma colherada no meu cérebro, ele derreteria em prazer. Não queria ter tomado o remédio.
Gripado, meu catarro não leva apenas os microorganismos embora. Leva as ideias, minha pneumonia cerebral.
Me sinto sem energia. Estando são, eu conseguiria pensar; teria disposição para escovar os dentes, teria disposição para formar um nó em minha garganta, torcendo minhas cordas vocais de dentro para fora.
Eu travo. Sinto o horror emergir. O estridor dos gritos. Escuto eles na beira da minha cama, falando sobre mim. Creio que não há anti-inflamatório para isso.
Mas, quando estou doente, eles se afogam. Dispneico, a esperança respira. Meu corpo não tem energia para alimentá-los.
Eles agora são sussurros, abafados pela orquestra torácica. Do fundo do meu pulmão, com meus alvéolos inundados, eles sibilam. Não há excedente energético para pensar no fim. Moribundo, nunca tive tantos planos. Cataléptico, sonho em fugir de minhas mãos, que anseiam pelo meu corpo.
Minha face é mais ardente que qualquer incêndio. Poderiam ferver qualquer ideação nesse rosto febril. Uma boa purgação sairia disso. As mãos purulentas, que tentam se enfiar nos meus pensamentos, se tornando puro plasma. Convulsões abalando todos os cenários imaginados. Os pecados não me consomem mais, a carcaça precisa queimar os estreptococos.
Acho que a pílula está funcionando. O suor começa a me abandonar, a vitalidade volta a correr sob minha pele. Sinto que os demônios escorregam os dedos em mim, fluindo para meus capilares.
Como eu faço para ter o nariz trancado novamente?

creatio ex nihilo
me espetaram com seu tridente
tentaram me operar
lobotomização
me libertei da cruz e da balança
fugi do átomo e da grife
apaguei o número
cheguei ao Fim.
mas não restava mais
nada
se não existe nada
me nadificarei
nadar-me-ei
para nadar até o fim
nadando agora, numa tela
banheira de sangue
tão bela
minha nave espacial
feita dos parafusos
da minha prisão
para voar com ainda mais dor
até poder
nadar nas estrelas