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  • Origami franguinolento – Crônica

    Origami franguinolento

    O mundo poderia se resumir a poucos tipos de alimento. Seria bem mais fácil para meu estômago. Criação de frangos em escala industrial nunca antes vista.
    A linha fordista em que a galinha põem ovos. Eles são aquecidos na temperatura exata para nascerem fortes. Eles quebram o ovo, escapam de sua prisão de colágeno.
    Não sei exatamente qual o método de execução usado neles no passado. Mas sei como seria o paraíso tecnológico da linha de produção dos frangos.
    Eles são levados pela esteira. Em nenhum momento pisam no solo. A esteira teria milhares de anos-luz de comprimento. Ao chegar na idade avançada, são imediatamente degolados pelo Torcicolo 5000 Turbo.
    Desmembrados em pedaços milimetricamente simétricos, para então serem reorganizados e montados. Montados rapidamente por neurocirurgiões. Um origami franguinolento. Então, são levados para os caminhões. Ou melhor, os trens, caminhões não bastam.
    Com o dinheiro poupado, atingiríamos um nível civilizacional capaz de proporcionar trem para todos. Teríamos trens-bala em todo lugar, para cruzar o mundo na velocidade de um revólver.
    Sem se preocupar com a variedade de carnes, comendo os frangos feitos de pura proteína, logo evoluíriamos para Homo frangus. Frangos bombados, cheios de estrogênio. Hormonizados. Linha de produção de hormonizados.
    Com a eficiência cerebral que o ser humano atingiria, isso com certeza seria alcançado. Trens interestelares e hormônios baratíssimos nas prateleiras dos mercados.
    Trens carregando bilhões de toneladas de frango. Dos trens, pros mercados. Seriam descarregados por robôs. Ou melhor, para aguentar todo o peso, o aço dos robôs não bastariam. Precisaríamos de marombados hormonizados. Um desfile de músculos enchendo as prateleiras.

    Então, nas prateleiras, estou eu.
    Pego a embalagem plastificada com meu braço não hormonizado. Não preciso me preocupar em cortar ou temperar. O quebra-cabeça aviário está montado.
    Eu olharia o franguinho embalado. Molhado, molenga, remexendo na minha mão. Queria ficar de água na boca por ele. Não gosto de carnes diferentes. Mas também não gosto das que eu já como.
    Talvez toda essa linha de produção seja meio desnecessária. Ovo preparados geneticamente. Galinhas engaioladas em todo lugar. A esteira dando voltas pelo Cinturão de Órion para abrigar todos os milhões de franguinhos em crescimento.
    O suco do frango que sobrou no pacote, alguém poderia beber isso. Se os franguinhos soubessem que foram condenados para estar na minha barriga... Ou melhor, a maior parte deles vão pro meu lixo.
    Coloco comida no prato para fingir que dessa vez vou comer.