Fui levado até a oficina de Adão para ser calibrado. Colocaram o compressor em minha boca, fui inflado até me esferizar, para ser solto pelos ares.
Voei. Cheio de mim mesmo, e de ar. Me inclinando contra o vento para decidir meu rumo nos céus. Quase fui triturado pela turbina que veio me buscar.
Cheguei perto demais do sol, mas meu nome não é Ícaro então o abracei. Só estourei quando caí no mais completo vácuo, após a morte de todas as estrelas.
a criança acorda de mais uma noite de sono decide finalmente ser o algoz. uma pedra escolhida a dedo por ser uma pedra qualquer ela arremessa a pedra como se alcançasse algo mas a pedra não quica no rio afunda
levada pelas correntezas a pedra não lutou contra o menino arrastada por todo o leito fluvial atingindo diversos peixes mas sem tocar nenhum
a pedra conhece todos os oceanos, todos os leitos, todo a predação tantas oportunidades de metamorfose se tornar bauxita, rubi, topázio participar de aneis, armaduras, parafusos mas ela permanece sendo arrastada sem questionar sem desviar sem tentar mesmo contemplando o ardor das rochas magmáticas as esculturas criadas do mármore até mesmo a velocidade do silício
uma massa solta indiferente à fundição que a espera a pedra quer ser escolhida em paz sem sedimentar sua existência até virar mais uma pedra
não vou, não sou, eu quero quero ser arremessado um Geworfenheit afundando até morrer
perdido errando nas vielas de um palco onírico e a realidade uma espiral ao mesmo ponto de antes
sonhei com você esta noite (ou nos vimos semana passada?) irrelevante [apenas sentir]
angústias em todo lugar ferindo minha pele imunda me faça fugir [para algum lugar bom
escapo admiro a imensidão retorno minha carcaça corpórea sou? prisioneiro da carne eterno fluido transcendente
não te vejo mais capto apenas impressões [que escorrem igual suas lágrimas naquela noite] do que um dia nós fomos meu cristalino converge toda a realidade em uma fotografia opaca de mim mesmo não esboço mais nem sentimentos nem razões nenhum rascunho de alma nasce do meu lápis sem ponta tão presente e tão longínquo por dentro grito [mas não preste atenção
queimo minha face com o rubor a falsa lanterna que me dá esperança e proclamo mas danço conforme o palco e a plateia
não lembro mais perdi a lembrança da maciez do seu toque acho que esqueci quem sou
luzes radiantes rasgando minha retina dormente sons estonteantes em minha mente sussurram ausente “olhe as perturbações que sua maldita cabeça sente não é seu lugar, até quando vai continuar, demente” finjo que não ouço, mas está em todo lugar as vezes penso, se meu lugar não é em marte longe de tudo isso, quem sabe assim eu seja feliz