Tag: deslocamento

  • balão – Poema

    balão

    Fui levado até a oficina de Adão
    para ser calibrado.
    Colocaram o compressor em minha boca,
    fui inflado até me esferizar,
    para ser solto pelos ares.

    Voei.
    Cheio de mim mesmo, e de ar.
    Me inclinando contra o vento
    para decidir meu rumo nos céus.
    Quase fui triturado pela turbina
    que veio me buscar.

    Cheguei perto demais do sol,
    mas meu nome não é Ícaro
    então o abracei.
    Só estourei quando caí no mais completo vácuo,
    após a morte de todas as estrelas.
  • inerte – Poema

    inerte 

    a criança acorda de mais uma noite de sono
    decide finalmente ser o algoz. uma pedra
    escolhida a dedo por ser uma pedra qualquer
    ela arremessa a pedra como se alcançasse algo
    mas a pedra não quica no rio
    afunda

    levada pelas correntezas
    a pedra não lutou contra o menino
    arrastada por todo o leito fluvial
    atingindo diversos peixes
    mas sem tocar nenhum

    a pedra conhece todos os oceanos,
    todos os leitos, todo a predação
    tantas oportunidades de metamorfose
    se tornar bauxita, rubi, topázio
    participar de aneis, armaduras, parafusos
    mas ela permanece sendo arrastada
    sem questionar
    sem desviar
    sem tentar
    mesmo contemplando o ardor das rochas magmáticas
    as esculturas criadas do mármore
    até mesmo a velocidade do silício

    uma massa solta
    indiferente à fundição que a espera
    a pedra quer ser escolhida em paz
    sem sedimentar sua existência
    até virar mais uma pedra

    não vou, não sou, eu quero
    quero ser arremessado
    um Geworfenheit
    afundando até morrer
  • sonho – Poema

    sonho

    perdido
    errando nas vielas de
    um palco onírico
    e a realidade
    uma espiral ao mesmo ponto de antes

    sonhei com você esta noite
    (ou nos vimos semana passada?)
    irrelevante
    [apenas sentir]

    angústias em todo lugar
    ferindo minha pele imunda
    me faça fugir
    [para algum lugar bom

    escapo
    admiro a imensidão
    retorno
    minha carcaça corpórea
    sou?
    prisioneiro da carne
    eterno fluido transcendente

    não te vejo mais
    capto apenas impressões
    [que escorrem igual suas lágrimas naquela noite]
    do que um dia nós fomos
    meu cristalino converge toda a realidade
    em uma fotografia opaca de mim mesmo
    não esboço mais
    nem sentimentos nem razões
    nenhum rascunho de alma nasce do meu lápis sem ponta
    tão presente e tão longínquo
    por dentro grito
    [mas não preste atenção

    queimo minha face com o rubor
    a falsa lanterna que me dá esperança
    e proclamo
    mas danço conforme o palco
    e a plateia

    não lembro mais
    perdi a lembrança da maciez do seu toque
    acho que esqueci quem sou
  • festas – Poema

    festas

    luzes radiantes rasgando minha retina
    dormente
    sons estonteantes em minha mente sussurram
    ausente
    “olhe as perturbações que sua maldita cabeça
    sente
    não é seu lugar, até quando vai continuar,
    demente”
    finjo que não ouço, mas está em todo lugar
    as vezes penso, se meu lugar não é em marte
    longe de tudo isso, quem sabe assim eu seja
    feliz