Fui levado até a oficina de Adão para ser calibrado. Colocaram o compressor em minha boca, fui inflado até me esferizar, para ser solto pelos ares.
Voei. Cheio de mim mesmo, e de ar. Me inclinando contra o vento para decidir meu rumo nos céus. Quase fui triturado pela turbina que veio me buscar.
Cheguei perto demais do sol, mas meu nome não é Ícaro então o abracei. Só estourei quando caí no mais completo vácuo, após a morte de todas as estrelas.
a criança acorda de mais uma noite de sono decide finalmente ser o algoz. uma pedra escolhida a dedo por ser uma pedra qualquer ela arremessa a pedra como se alcançasse algo mas a pedra não quica no rio afunda
levada pelas correntezas a pedra não lutou contra o menino arrastada por todo o leito fluvial atingindo diversos peixes mas sem tocar nenhum
a pedra conhece todos os oceanos, todos os leitos, todo a predação tantas oportunidades de metamorfose se tornar bauxita, rubi, topázio participar de aneis, armaduras, parafusos mas ela permanece sendo arrastada sem questionar sem desviar sem tentar mesmo contemplando o ardor das rochas magmáticas as esculturas criadas do mármore até mesmo a velocidade do silício
uma massa solta indiferente à fundição que a espera a pedra quer ser escolhida em paz sem sedimentar sua existência até virar mais uma pedra
não vou, não sou, eu quero quero ser arremessado um Geworfenheit afundando até morrer
Sempre fui de brincar com besouros. Deixando-os de ponta cabeça, vendo se contorcerem, sem desconfiar que quando enfim voltassem, logo seriam pisoteados.
Quando a vida me deu antenas, nem tentei me levantar.
listas de leituras que vão desmontar seu mundo listas dos filmes mais aclamados pela comunidade listas das paisagens mais lindas listas dos melhores produtos para comprar lista das melhores listas de música alternativa listas de experiências imperdíveis para ter antes de morrer
ordenamos e classificamos e nomeamos, não assistimos nem jogamos nem ouvimos, buscando eficiência máxima queremos prazer e erudição não vamos desperdiçar nossa tarde
mas sempre, antes de dormir, procuro a lista de emoções que deveria sentir. quero meu rótulo e não encontro, tampouco acho a crítica do meu personagem, nem o manual de instruções, nem o roteiro que eu devo seguir.
a insônia tem sabor de sonhos ainda não começados na iminência de se realizarem mas impedidos pelo ruído estridente do maquinário cerebral
sonhos que nunca verão a luz do dia tampouco a luz do sono oriundos de uma mente frágil e inquieta incapaz de ter um pensamento [quem me dera um pesadelo!] para que uma fagulha de vida nascesse em minhas entranhas
a insônia tem sabor de mágoa uma cachoeira de lágrimas salgadas que flui pelas correntezas do arrependimento eternos erros passados e infinitas certezas de falhas no futuro
a mais completa certeza do erro é pensada de maneiras infindáveis na cama de um lado para o outro do outro para o lado certeza da decepção cometida minha mente com sono oficina de insegurança
a insônia tem sabor de morte uma morte da esperança esperança de talvez acordar cedo para um novo dia tem sabor podre da morte que se esconde sob minha pele deste meu corpo que dorme até cinco da tarde [em uma terça feira comum]
a insônia tem sabor agora, de tanto pensar em sabores além de cansado e irritado estou com fome
hoje no chuveiro ocorreu um banquete enquanto os pensamentos vadios invadiam violentamente a minha visão junto com os desafinados pingos d'água brotou-me a vontade de saborear o belo sabonete que lá estava
numa mordida me deliciei com tal sabor limpo e de frutas cítricas que nenhum doce se assemelha
encantado com o restaurante busquei ajuda do garçom completei um drink de shampoo me embriagando de forma espiralesca
quando me dei conta, estava bêbado completamente lisergiado a visão turva, expelindo coisas medonhas lá do fundo de minhas entranhas
desligado o chuveiro vou-me embora de meu magnífico jantar mas a saciedade de tão bela refeição faz-me titubear em meus oscilantes passos deslizando pelo vômito com bolhas de sabão aterrisando duro eu bato a cabeça no gélido chão colorindo minha linda banheira num expressionismo majestral feito de óleo, guache, e meu fluído cerebral
“Felizmente está bem cheiroso” pensou o legista horas depois
perdido errando nas vielas de um palco onírico e a realidade uma espiral ao mesmo ponto de antes
sonhei com você esta noite (ou nos vimos semana passada?) irrelevante [apenas sentir]
angústias em todo lugar ferindo minha pele imunda me faça fugir [para algum lugar bom
escapo admiro a imensidão retorno minha carcaça corpórea sou? prisioneiro da carne eterno fluido transcendente
não te vejo mais capto apenas impressões [que escorrem igual suas lágrimas naquela noite] do que um dia nós fomos meu cristalino converge toda a realidade em uma fotografia opaca de mim mesmo não esboço mais nem sentimentos nem razões nenhum rascunho de alma nasce do meu lápis sem ponta tão presente e tão longínquo por dentro grito [mas não preste atenção
queimo minha face com o rubor a falsa lanterna que me dá esperança e proclamo mas danço conforme o palco e a plateia
não lembro mais perdi a lembrança da maciez do seu toque acho que esqueci quem sou
luzes radiantes rasgando minha retina dormente sons estonteantes em minha mente sussurram ausente “olhe as perturbações que sua maldita cabeça sente não é seu lugar, até quando vai continuar, demente” finjo que não ouço, mas está em todo lugar as vezes penso, se meu lugar não é em marte longe de tudo isso, quem sabe assim eu seja feliz